Medida pode dobrar a média de tempo de retorno dos investimentos em sistemas de energia solar fotovoltaica
A proposta do governo federal de passar a cobrar taxas e demais impostos dos consumidores que gerem a própria energia, a exemplo de pequenos sistemas solares, vem preocupando representantes do setor na Bahia. Não é para menos: de acordo com os dados da Secretaria de Desenvolvimento Econômico (SDE), o estado conta com 177 megawatt (MW) de potência instalável e potencial de crescimento do setor de 92% – números que podem ser ameaçados com a taxação pretendida pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
>>Setor precisa de estímulo, diz SDE
A intenção do governo é fazer com que o segmento da chamada geração distribuída (GD) pague, já a partir do primeiro semestre do ano que vem, pelo uso da rede de distribuição das concessionárias. Conforme proposta apresentada, após a revisão do sistema de compensação de energia estabelecido na Resolução Normativa 482, serão mantidas as regras atuais até dezembro de 2030 para sistemas de geração existentes ou com solicitação de acesso realizada até a aprovação da norma, tanto para a geração local quanto para a geração remota. Para os sistemas de geração remota instalados a partir do ano de 2020, a proposta prevê que os novos geradores arquem com os custos de acesso à rede distribuição (TUSD) e demais encargos.
O que ocorre é que, na geração distribuída, as pequenas centrais de fontes renováveis não utilizam diretamente a energia gerada para consumo no local de produção. Na prática, toda a energia produzida é lançada na rede de distribuição instalada pela concessionária – no caso da Bahia, a Coelba –, que, depois, faz o abatimento do total gerado na conta de energia dos imóveis indicados pelo produtor/consumidor.
Pelos cálculos da Associação Baiana de Energia Solar (Abes), a taxação pode chegar a 66%. “Em outras palavras, se você produzir R$ 100 de energia, o governo ficaria com R$ 66 para ele e só R$ 34 seria seu abatimento na conta de energia”, explica o presidente da Abes, Daniel Kunz, que também é diretor regional da Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD).
"É um absurdo taxar de forma tão elevada, alegando que é preciso compensar a concessionária: primeiro, a energia produzida pela GD já é vendida na mesma hora concessionária; segundo, ela já tem a infraestrutura para a energia convencional e não está gastando a mais por isso”, diz. Segundo Kunz, o setor até compreende que se queira cobrar pelo uso do sistema, “mas não de forma tão abusiva, porque aí mata o negócio e deixa também de estimular o uso de energias renováveis no País”, como frisa.
Com a cobrança, o prazo médio de retorno do investimento na implantação de um mini ou microssistema de energia solar fotovoltaica passaria dos atuais 4,5 anos para sete ou oito anos, o que inviabilizaria novos investimentos e prejudicaria também quem adotou o sistema mais recentemente.
Dados da ABGD apontam que existem atualmente 12 mil empresas atuando no setor no Brasil, com venda de equipamentos, consultoria e serviços de instalação. Elas geram cerca de 300 mil empregos; destes, 100 mil diretos. O País conta hoje com, aproximadamente, 100 mil instalações, podendo chegar a 1,5 milhão nos próximos cinco anos. Na Bahia, são, aproximadamente, 200 empresas em atuação, gerando três mil empregos, dos quais 800 diretos. São, aproximadamente, quase três mil instalações de geração distribuída, segundo relatório mais recente da Aneel, “podendo chegar a 10 mil em cinco anos”, ressalta Kunz.
Para Lucas Daltro, sócio-diretor da Azulare Engenharia, empresa baiana especializada em projetos e implantação de sistemas de energia solar fotovoltaica, a proposta significa um retrocesso e pode reduzir em mais de 60% a economia do consumidor que investiu na geração de sua própria energia.
“A proposta apresentada pela ANEEL surpreendeu o setor e está visivelmente desbalanceada e desfavorável para a geração distribuída no Brasil. As mudanças geram insegurança jurídica aos investimentos já realizados sob as regras atuais”. A sugestão em aplicar o pagamento da tarifa de uso integral e demais encargos para a geração remota já no próximo ano também surpreende o executivo, ressaltando que a expectativa do mercado era que fosse uma transição mais suave. Pela ANEEL, a cobrança de tarifas e taxas diversas variam de 28% a 63%. “De forma simples, podemos dizer que, ao gerar e enviar à rede 1 kWh de energia, o consumidor receberá de crédito somente 0,37 kWh de energia”. Ele frisa ainda que “atualmente, as unidades consumidoras com energia solar representam menos que 0,2% do total, ou seja, 130 mil consumidores no universo de 84,5 milhões possuem geração distribuída. Isso ainda está longe de justificar cobranças de uso do sistema de distribuição tão altos conforme proposta da ANEEL”, avalia o executivo.
Além dos aspectos técnicos empregados na análise dos cenários, “a ANEEL caminha na contramão da sustentabilidade socioambiental tão necessária ao planeta e ao nosso país ao desconsiderar a redução da emissão de gases poluentes e as perdas de energia na transmissão e distribuição de energia proporcionadas pelo uso da energia solar fotovoltaica, fonte limpa, renovável, sustentável e economicamente viável, próximo ao local de consumo. Também negligencia o crescimento de um setor que vem impulsionando a economia nacional ao gerar 72 mil empregos diretos entre 2012 e 2018 e os mais de 37 mil novos empregos que estão sendo gerados em 2019, totalizando 109 mil empregos diretos ”, conclui Lucas Daltro.
Bahia Energy Meeting
O engenheiro Rafael Valverde, CEO da Eolus Consultoria, especializada em energias renováveis, entende os argumentos tanto das concessionárias quanto do setor de geração distribuída. Para ele, o ideal é que, “por ser o setor de energia estratégico para o desenvolvimento do País, deveria pagar menos impostos, como um todo”, diz. A Eolos Consultoria – juntamente com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e a BrainMarket, empresa de inteligência de mercado – realiza de 3 a 5 de dezembro, em Salvador, um dos maiores eventos do setor.
A polêmica proposta da Aneel também será tratada no evento, a ser realizado na sede do Senai-Cimatec. As inscrições gratuitas já estão abertas no site bahiaenergymeeting.com.br. O Grupo A TARDE é correalizador da iniciativa.