Arrasada por bombardeios de Israel no ano passado, Gaza tem chance de alegria com futebol
As pessoas vão se reunir nas cidades palestinas nesta segunda-feira, 12. Levarão bandeiras, gritarão e cantarão, emocionadas. Exibirão seu nacionalismo com orgulho. Não será mais uma das frequentes manifestações políticas ou de protesto contra a morte de inocentes. Sua seleção nacional de futebol participará pela primeira vez de uma competição relevante. Estreará contra o atual campeão Japão, às 4h da madrugada da Bahia, pela 16ª Copa da Ásia, na Austrália.
Apesar do entusiasmo coletivo, será impossível esquecer a dura realidade local. O próprio futebol da Palestina está constantemente marcado pelos embates contra Israel. "É afetado pela turbulência política. O conflito (de 2014) em Gaza nos causou graves dificuldades em todo o esporte", disse ao site da Fifa o artilheiro da seleção, Nu'man.
Israel, que controla as fronteiras palestinas, se acostumou a não autorizar a ida de jogadores da Palestina para partidas no exterior, mesmo quando a seleção mandava jogos em campo neutro. Alega motivos de segurança. Atletas foram presos, acusados de colaborar com guerrilheiros, inclusive levando dinheiro, celular e mensagens em voos do selecionado.
Foi por não comparecer ao duelo em Cingapura que a Palestina caiu nas Eliminatórias do Mundial de 2010. Na edição de 2014, pesaram os desfalques retidos pelos israelenses.
Os dois territórios atuais da Palestina - Cisjordânia e Gaza - possuem campeonatos, mas inexiste uma liga nacional porque Israel restringe o trânsito de palestinos entre as duas regiões. "É praticamente impossível viajar de uma à outra. Suponho que seja o único caso no mundo e só mostra o que os palestinos precisam tolerar", contou ao A TARDE o meia da seleção Jaka Ihbeisheh, de 28 anos, esloveno filho de palestino.
"As dificuldades que meus colegas experimentam por causa dos israelenses não influenciam a atmosfera da seleção. Apenas nos motivam mais", acrescentou.
A lista de clubes campeões de Gaza alterna buracos: 1985, 1986, 1987, 1996, 1997, 1998, 2000, 2006, 2009, 2011, 2013 e 2014. Metáfora das ruínas locais, que resistem quando e como podem. As paralisações evidenciam as dificuldades sob fogo cruzado. O abandono do futebol vira um detalhe diante de tantas perdas e privações.
Troféu inédito
A Palestina conquistou seu único título oficial em maio do ano passado, em competição continental para equipes de menor poderio. Valeu a vaga na Copa da Ásia.
Em julho, a alegria foi calada pelo reinício dos ataques de Israel a Gaza, que teriam matado 2,2 mil civis árabes. Uma das vítimas, Ahed Zacqut, era treinador e ex-meia. Bombas assassinaram quatro meninos que jogavam bola numa praia.
No cenário de devastação, dezenas de milhares de desabrigados ainda sofrem com falta de água, eletricidade e emprego. A Fifa promete recuperar dez campos de futebol destruídos, incluindo dois estádios. Ação sócio-esportiva do Real Madrid ajuda crianças a superar traumas.
Os jogadores falam como embaixadores que querem dar visibilidade à existência do seu país e motivo de felicidade à sua gente. Até o site da Associação Palestina de Futebol usa "Guerrilha" como apelido da seleção. Também se refere como "mártires" às vítimas dos conflitos que são homenageadas em eventos que ela promove.
Uma competição de clubes leva o codinome do ex-presidente palestino Yasser Arafat, falecido em 2004 e ligado a terroristas.
"Vida normal"
Ihbeisheh ressalva que Gaza está em caso de exceção hoje: "A situação na Palestina não é tão terrível quanto a mídia retrata. Não é um perigoso país em guerra, com bombas caindo constantemente, pessoas morrendo. O povo vive vidas normais, vai trabalhar, crianças vão à escolha, eles acompanham esportes e internet, estão longe de serem isolados e ignorantes".
Mas ele admite: "Postos de controle de Israel em toda parte e seus soldados fazem lembrar constantemente que você está em território ocupado, que, como palestino, não tem os mesmos direitos que os israelenses e não pode se mover livremente".
Na Copa da Ásia, a Palestina enfrentará os dois últimos campeões, Japão e Iraque, e o adversário do seu primeiro jogo em casa pós-filiação à Fifa, a vizinha Jordânia, com que empatou, em 2008. É o azarão do torneio, mas chega como o maior vencedor.