Mestre Carlinhos respira a brisa do mar no 'É da Vida'
A Regata João das Botas terá sua 43ª edição neste domingo, 25, no Porto da Barra, reunindo antigos saveiros no mar da Baía de Todos-os-santos. A largada será às 13h, de forma escalonada para cada uma das 12 classes. A chegada ocorrerá na mesma praia soteropolitana.
Até a sexta, 23, 80 embarcações estavam confirmadas, segundo o comando do 2º Distrito Naval, que realiza a competição por meio da Capitania dos Portos da Bahia. "As inscrições acontecem até duas horas antes da largada. São cerca de 800 tripulantes", afirmou a primeiro-tenente Geovanna Macedo.
Como se repete ao longo das décadas, velhos 'lobos do mar', residentes no entorno da Ilha de Itaparica, colocam de lado suas atividades cotidianas para disputarem posições na prova.
A bordo do saveiro 'É da Vida', Carlos Antônio Ramos, de 71 anos, vai para seu 21º ano de regata. Mais conhecido como Mestre Carlinhos, ele 'chuta' já ter vencido quatro vezes na classe saveiro B.
Um dos mais experientes na antiga profissão, o saveirista relata conhecer mares da Bahia até o Rio de Janeiro. "Fui marinheiro do Bateau Mouche IV. Fiquei um ano e oito meses trabalhando no barco e saí um ano antes do acidente", contou, se referindo ao naufrágio na festa de réveillon de 31 de dezembro de 1988, na Baía de Guanabara (RJ), vitimando 55 das 142 pessoas a bordo.
"A gente fica triste com o que aconteceu. O certo era botar o barco de frente, e não atravessado, mas só quem estava lá para saber ao certo isso", analisou.
Proprietário do saveiro com outros três sócios, Mestre Carlinhos disse que o 'É da Vida' tem cerca de 90 anos e, neste tempo, recebeu várias reformas. A mais recente foi para corrigir a pintura.
Atualmente, em vez de cargas, o barco é alugado para passeios. Levantamento feito pelo 2º Distrito Naval dá conta que os saveiros com vela de içar custam em torno de R$ 80 mil. "Os das outras classes, entre R$ 5 mil e R$ 30 mil", disse a primeiro-tenente Geovana.
O mestre-saveirista Chagaxá, de 76 anos, dono do 'Cruzeiro da Vitória', relatou que seu saveiro é um dos poucos que ainda transportam cargas. "A gente chega a carregar até 25 toneladas de material de construção: areia, cimento, telhas", exemplificou.
Mas a rota mudou de Salvador para locais como Madre de Deus e Bom Jesus dos Pobres. "A gente leva dois dias para chegar com a carga porque os panos (velas) dependem do vento. Ganho de R$ 500 a 600", completou mestre Chagaxá, que assina como Claudionor de Jesus.
Participante da regata desde 1972, ele está de olho no pódio. "Não sou favorito na minha classe. É o mestre João Mirinho, mas, se ele der mole, a gente vence a regata", avisou o mestre-saveirista.
Para os primeiros lugares, será distribuída premiação em dinheiro que varia de R$ 700 a R$ 200, do primeiro ao terceiro colocado.
Parentes pongam
A cada edição, parentes e aderentes pegam carona na regata-passeio. "São quatro comigo. Mas no dia vão uns 15 porque muitos amigos e parentes de Salvador vêm participar", contou Chagaxá.
O mesmo acontecerá com o 'É da Vida' e as outras cerca de 100 embarcações esperadas no evento, pois as inscrições continuam até o dia da largada. "Têm uns dez parentes que vão com a gente", calculou Mestre Carlinhos.
A disputa repete percurso tradicional em torno de 20 km, que exige contornar três boias nas proximidades da Ilha de Itaparica e da Cidade Baixa, com retorno à Barra. A estimativa dos saveiristas é que os mais rápidos completem a prova entre três e quatro horas.
Na manhã da regata, que é patrocinada pela Braskem, o grupo de Escoteiros João das Botas limpará a praia do Porto da Barra e mergulhadores recolherão lixo no mar.
História
Até 1940, saveiros eram o principal meio de transporte no Recôncavo, respondendo por 90% do abastecimento da capital. Estimava-se em mil o número de embarcações.