Rayane Soares é um dos destaques do Brasil no torneio | Daniel Zappe | EXEMPLUS | CPB
Dubai é um emirado de leis rígidas em que uma pessoa pode ser presa por estar bêbada e também por demonstrar atração por pessoa do mesmo sexo. É um local em que a cerimônia de abertura do Mundial de Atletismo Paralímpico mostrou homens em trajes típicos árabes dançando com réplicas de fuzil. Mas também é uma região que precisa em certos momentos fazer vista grossa à repressão porque vive essencialmente do turismo.
O Mundial está em seu início, mas já é um marco em Dubai porque pela primeira vez um evento esportivo divulga os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas (ONU) - a intenção é de que todos os países implementarem essas medidas nos próximos 15 anos. O emblema com a hashtag #Forpeopleforplanet (#pelas pessoas, pelo planeta) possui 17 cores e é impossível não fazer alusão à bandeira LGBTQ. Pode ser visto na parte frontal da camisa, acima dos nomes dos atletas, e também em meio às placas de publicidade ao redor do estádio onde acontecem os jogos nos Emirados Árabes.
Sara Alsenani, primeira atleta feminina do emirado a ganhar uma medalha em Jogos Paralímpicos, comentou a importância de Dubai receber a competição. "Estou feliz que meu país esteja orgulhoso de mim e me sinto muito forte. Isso é apenas o começo. Tóquio-2020 é onde eu gostaria encerrar a carreira", disse.
Bronze no arremesso de peso feminino F-33 no Rio-2016, ela espera que o Mundial possa ser o início de novas transformações na região. "Quebrei muitas regras e quero mostrar que os atletas paralímpicos podem fazer muitas coisas. Sinto que sou como uma inspiração para outras garotas. Quero mostrar que o atletismo ensina como definir uma meta e alcançá-la", prosseguiu.
A atleta brasileira Verônica Hipólito elogiou a tentativa de Dubai ser mais flexível. "Acho muito legal porque Dubai é um dos grandes financeiros do mundo. Quem sabe impacta para mais países aderirem. Também mostra que o movimento paralímpico está ganhando mais força. Já que dentro de um campeonato mundial está tendo uma ação importantíssima como essa."
Mas também questionou se a cidade conseguiria cumprir alguns desses objetivos. "Não consigo ver Dubai apoiando, por exemplo, 'empoderar todas as meninas e mulheres'. Sei que existe a questão da religião, mas não consigo ver esse empoderamento aqui. Não conseguiria ver uma agricultura sustentável aqui", comentou.
UM CHOPE A R$ 40
As leis em Dubai são determinadas pelo xeque Mohammed bin Rashid Al Maktoum. A imagem dele pode ser vista por todos os cantos. Nas prateleiras das lojas de souvenirs, há inúmeras publicações sobre o xeque, com versões em árabe e em português. As opções vão de dicas de autoajuda até biografia (autorizada, claro).
A advogada brasileira Vanessa Franulovic vive há 12 anos em Dubai. Ela trabalha em uma incorporadora que constrói hotéis. Em entrevista ao Estado, comentou sobre a legislação nos Emirados Árabes Unidos. "Tem um código civil como no Brasil. Mas para questões em relação à família existe uma lei que se aplica só para quem é muçulmano. Nos Emirados Árabes Unidos são as mesmas leis, basicamente. Mas há especificidades em cada emirado", contou.
Por exemplo, Dubai é uma das cidades mais abertas por causa do turismo. Mas a venda de bebida alcoólica só é permitida em bares atrelados às redes hoteleiras. "Não existe bar de rua, não se compra bebida em supermercado", contou.
Um chope custa pelo menos R$ 40. A garrafa de vodca Absolut, vendida no hotel, sai por R$ 300 no que eles chamam de oferta especial. Os brasileiros que vivem no país costumam pedir aos amigos que visitam Dubai para trazerem bebidas alcoólicas.
Preconceito
Outra questão é o preconceito com os gays. "O homossexualismo não é permitido. Não existe esse tipo de casamento. Não se pode andar de mão dada na rua nem beijar em público, porque pode a pessoa pode ser presa. Existem muitos casais gays aqui, mas não podem assumir. Eles podem morar junto, pois o Governo entende como se fossem amigos dividindo o aluguel, que é muito caro. Um homem e uma mulher morando junto precisam ser casados. E para ter filho tem que estar casado também", explicou Vanessa.
Verônica está há uma semana em Dubai e reparou que a desigualdade social e a pobreza que é bastante camuflada em meio aos prédios imensos, às grandes avenidas e ao pequeno espaço para os pedestres. "As plantas são regadas, o asfalto é ótimo, dá para ver toda a estrutura moderna. Mas a questão é como vão adotar essas medidas?", questionou. "Há todo o luxo, a beleza do prédio mais alto do mundo... Mas conversei aqui com um paquistanês, um indiano e um etíope. Eles contam de um lugar que todos querem esconder, de subemprego. Então acho que o Mundial é a oportunidade de Dubai aceitar que existem defeitos aqui também e tentar mudar", finalizou.