BRASÍLIA - Depois da ameaça da Venezuela de desistir de entrar no Mercosul, o Brasil tem de decidir se prefere liderar um grupo grande e rachado ou um bloco pequeno e coeso, mas com agilidade para tentar fechar acordos comerciais pelo mundo, afirmaram especialistas.
O presidente venezuelano, Hugo Chávez, disse ao Parlamento do Mercosul que a aprovação da entrada da Venezuela tem de sair em no máximo três meses, senão ele vai desistir da candidatura.
Há poucos anos, Brasil e Venezuela encaravam o Mercosul como uma plataforma em comum para se opor aos interesses norte-americanos na América Latina. Mas agora Chávez está resistente em adotar as exigências alfandegárias do bloco e também se distanciou do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na avaliação de observadores.
"O Brasil tem de decidir se quer um clube político ou um bloco comercial que abra novos mercados", disse André Nassar, chefe da consultora comercial Ícone, em São Paulo. "A Venezuela é volátil demais para seguir adiante com as negociações comerciais."
Brasil e Venezuela vêm disputando a influência sobre a América Latina. O Brasil oferece biocombustíveis, enquanto Chávez oferece seus petrodólares aos países mais pobres da região.
Desde a eleição de Lula, em 2003, o Brasil vem se esforçando para unir os países em desenvolvimento de forma a obter concessões das nações mais ricas.
Assim, fundou o G20, grupo de países em desenvolvimento, para pressionar pela abertura do comércio agrícola, e incluiu como associados no Mercosul quatro países andinos: Equador, Bolívia, Colômbia e Peru. Os integrantes originais do Mercosul são Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai.
Agora, as negociações sobre o comércio global podem emperrar definitivamente, e o Mercosul parece estar sobrecarregado. Colômbia e Peru negociaram acordos comerciais com os EUA, e o Uruguai pensa em fazer a mesma coisa.
O PT defendia a entrada da Venezuela no Mercosul e muitas empresas brasileiras estão fazendo negócios com o país de Chávez. Mas cada vez mais o setor empresarial pressiona Lula a abandonar Chávez, temendo que a aversão do venezuelano a políticas de mercado e seus princípios democráticos questionáveis afugentem novos parceiros para o bloco, como a União Européia.
"O Brasil precisa despolitizar suas políticas de mercado. Precisa de uma integração mais econômica e menos política, especialmente no Mercosul", disse Mario Marconini, chefe de relações internacionais da Federação do Comércio de São Paulo.
As perspectivas para a retomada das negociações comerciais entre UE e Mercosul, paradas desde o princípio de 2005, são hoje mais positivas, devido à recuperação econômica da Argentina, afirma a maioria dos economistas.
Mas ainda há quem esteja cético na União Européia. "As condições para retomar as negociações estão melhores, mas a Venezuela é um obstáculo", disse um diplomata da UE em Brasília na semana passada.
O presidente da Argentina, Néstor Kirchner, pediu a Lula que convença o Congresso a cumprir o prazo estabelecido por Chávez. Faltam apenas Brasil e Paraguai aprovarem a entrada da Venezuela.
Lula disse na quarta-feira que "há regras para entrar no Mercosul", mas acrescentou que as relações com a Venezuela são excelentes.
É improvável que Lula arrisque seu pescoço por Chávez, que chamou os congressistas brasileiros de "papagaios" de Washington, avaliam analistas. "Lula confia no Congresso mas não quer ofender Chávez, então vai deixar o prazo acabar sem intervir. Pode ser um divórcio à revelia entre os dois", disse Nassar, da Ícone.