Os cubanos adoram quase tudo que é norte-americano. São apaixonados por beisebol e passeiam em antigos Dodges e Buicks. Mas poucos querem uma intervenção norte-americana que condicione o futuro da ilha.
E agora, com a doença e afastamento do presidente Fidel Castro, o governo norte-americano amplia sua pressão pela instauração da democracia multipartidária em Cuba. Mesmo que haja descontentamentos com o regime comunista, muitos cubanos temem que a ingerência dos EUA provoque violência e tumulto.
"Não queremos os norte-americanos envolvidos aqui", disse o estudante Ulises, que tomava uma "cuba libre" na madrugada de quinta-feira num bar de Havana. "Este sistema não tem futuro, mas não queremos uma mudança abrupta, como no Iraque", afirmou ele.
Mesmo dissidentes que defendem uma transição gradual para a democracia e o capitalismo querem que isso ocorra sem a interferência do país vizinho. Um dos mais conhecidos desses dissidentes, Oswaldo Payá, acha que tal hipótese seria contra-producente. "O futuro de Cuba deve ser decidido pelos cubanos", afirmou.
A maioria dos cubanos tem parentes nos EUA, resultado das ondas migratórias desde o triunfo da Revolução, em 1959. Apenas 145 quilômetros de mar separam os dois países.
Sonhando com as delícias do consumismo e com carros novos, muitos cubanos solicitam vistos para os EUA, na esperança de escapar das dificuldades do regime comunista, agravadas há cerca de 15 anos, com o colapso da União Soviética.
Centenas de outros cubanos se aventuram nas águas turbulentas do estreito da Flórida, em precários pedalinhos e balsas improvisadas -- e até em carros de época engenhosamente transformados em veículos anfíbios. Alguns morrem na travessia.
Mas o orgulho nacional aparece quando se trata da soberania cubana e da história do controle norte-americano sobre a ilha, entre a Guerra Hispano-Americana (1898) até a vitória da Revolução, martelada insistentemente desde a pré-escola.
Fidel reforçou o nacionalismo cubano usando seus discursos para acusar frequentemente os EUA de planejarem a anexação de Cuba após eliminá-lo por assassinato ou invasão.
Na sua "proclama à nação" de segunda-feira, Fidel dizia que entregaria seus poderes ao irmão Raúl, seu ministro da Defesa, durante a doença devido à ameaça representada pelo "império".
Os cubanos mais velhos ainda se lembram da tentativa de invasão na baía dos Porcos, em 1961, quando paramilitares anticomunistas treinados e armados por Cuba desembarcaram na praia Girón, mas foram rapidamente dominados. A ameaça levou Fidel a declarar que a Revolução era socialista e a se aliar à União Soviética.
Mas nem todos os cubanos acreditam que hoje em dia haja ameaça dos EUA. "Os cubanos não têm nada contra os norte-americanos, é tudo política", disse o balconista de uma livraria em Havana, onde vende exemplares usados de romances de Hemingway e livros sobre Che Guevara.
"O governo os retrata como maus", afirmou ele, que considera "folclore" a ameaça de invasão.
Ulises torce por um futuro, após Fidel, que combine o melhor do capitalismo -- competição e eficiência -- com o melhor do socialismo -- educação e saúde grátis e de qualidade.
Usando jeans e tênis enviados por parentes de Miami, ele critica a ineficiência do Estado. "Precisamos de competição aqui. Em qualquer outro país, este bar seria privado", disse ele.
Mas o estudante não gosta de pensar no capitalismo norte-americano tomando conta do seu país outra vez. "Os cassinos e bordéis voltariam", afirmou.