A morte de dois sauditas e um iemenita, que foram encontrados enforcados neste sábado, na prisão americana de Guantánamo, voltou a intensificar a polêmica sobre o campo de detenção onde o governo norte-americano mantém detidos há anos supostos terroristas sem direito a julgamento.
Tão logo foi informado do incidente pela secretária de Estado, Condoleezza Rice, o presidente George W. Bush expressou sua preocupação por estas primeiras mortes na prisão de Guantánamo, que é critica pelas Nações Unidas, organizações internacionais de direitos humanos e governos europeus. Bush chegou a manter uma reunião de inteligência com o conselheiro da Segurança Nacional, Stephen Hadley, e com o chefe de gabinete da Casa Branca Josh Bolten, para analisar o caso.
As famílias dos dois sauditas Manii Ben Chamane Al Otaibi, de 19 anos, e Yasser Talal Al Zahrani, de 22, declararam, no entanto, não acreditar que tenha se tratado de um suicídio, segundo afirmou neste domingo seu advogado, Me Kateb al-Chammari. "A versão americana sobre um suicídio levanta enormes dúvidas entre nós. Estas mortes testemunham a tortura e os tratamentos desumanos aos quais são submetidos os prisioneiros em Gantánamo", afirmou, reivindicando a formação de uma comissão independente para investigar as circunstâncias destas mortes.
Os dois sauditas e o iemenita foram encontrados enforcados em suas celas neste sábado, segundo a Força Tarefa Conjunta (JTF, sigla em inglês), que dirige o centro de detenção de Guantánamo.
A primeira vítima foi encontrada depois que um guarda deu o alerta ao constatar que algo fora do comum acontecia na cela, informou o contra-almirante Harry Harris falando à imprensa.
"Quando ficou evidente que o detido tentava se enforcar, o guarda e a equipe médica reagiram imediatamente para tentar salvar sua vida".
Os outros dois presos que se suicidaram foram encontrados logo depois que os guardas realizaram uma revista em todas as celas. As equipes médicas responderam com rapidez e os três presos receberam tratamento de emergência numa tentativa de reanimação. "Os três foram declarados mortos por um médico após ter esgotadas todas as medidas de socorro", acrescentou o oficial.
A Força Tarefa Conjunta foi criada em novembro de 2002 pelo Comando Sul dos Estados Unidos para operar o centro de detenção e conduzir os interrogatórios feitos com os presos na "guerra contra o terrorismo". Estas são as primeiras mortes registradas em Guantánamo desde a abertura da base (em 2002), onde os presos vêm multiplicando suas greves de fome e as tentativas de suicídio. A situação no centro de detenção foi condenada pelas organizações de defesa dos direitos humanos, como o Centro para os Direitos Constitucionais (CCR), onde trabalham inúmeros advogados defendendo mais de 200 presos e que denunciou "uma prisão cega, indefinida e sem nenhuma possibilidade de justiça no futuro".
Para o contra-almirante americano Harry Harris, comandante da base situada em Cuba, estes suicídios "não são atos de desespero e sim atos de guerra".
A Arábia Saudita adotou um procedimento para repatriar os corpos de seus cidadãos. Os sauditas constituem cerca de 25% dos prisioneiros de Guantánamo.
Yasser Talal al-Zahrani, nativo de Medina, a segunda cidade santa do islamismo, no oeste da Arábia Saudita, enviada cartas a seus pais através do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV).
Os pais de Manii ben Chamane al-Otaïbi, 19 anos, natural de Ad-Dawadami, a 200 km ao norte de Ryad, receberam uma carta do filho, enviada pelo correio, segundo seu advogado.
A identidade do iemenita morto não foi divulgada. Uma investigação foi aberta para determinar as circunstâncias destas mortes e a necropsia foi ordenada.
Em Cabul, um porta-voz autoproclamado dos talibãs acusou os Estados Unidos de terem matado os três presos, dizendo que os combatentes muçulmanos jamais teriam se suicidado. "Nenhum muçulmano, nenhum mudjahedine pode se suicidar. É proibido pela sharia, a lei islâmica", declarou à AFP Mohammad Hanif.
"Os Estados Unidos dizem que os três homens, três árabes, se suicidaram e não é verdade, os guardiões os mataram", acrescentou.
Os presos da base de Guantanamo foram, em sua a maioria, detidos no Afeganistão, no outono de 2001, durante a campanha americana contra os talibãs e seus aliados da rede Al-Qaeda. Aproximadamente, 760 prisioneiros passaram por Guantanamo, e dos 460 que ainda estão lá, somente dez homens foram formalmente acusados, mas não tiveram qualquer julgamento