Despercebida de muitos, contestada por alguns, a superioridade da importação de negros bântus (vindos de Angola, do Congo e de Moçambique, descritos como homens e mulheres de feições mais rudes), na Bahia, no século XVII, é incontestável. A sua importância foi extraordinária e os seus marcos conservam-se ainda hoje. Representando a primeira entrada, em massa, de escravos africanos para a Bahia, a sua cultura disseminou-se em todos os sentidos. Foi profunda e extensa. Principalmente devido à diferença entre a sua cultura e a sudanesa, esta mais fechada, menos acessível aos processos de integração, a influência bântu, na sociedade foi sensível. Trazida por negros mais dóceis, loquazes, preferidos para os serviços domésticos, dominou imperceptivelmente, como veremos. De qualquer modo é um fato que não deve mais ser ignorado. A sua importância dá-lhe direito a um lugar de destaque na história do negro na Bahia.
Não havendo ainda surgido os fatores que fizeram, mais tarde, a Costa da Mina quase monopolizar as atenções dos traficantes baianos, o tempo foi bastante para mostrar as vantagens do comércio de Angola sôbre o super-equatorial. A menor distância seria suficiente para explicá-lo. A preferência dada, na época, aos negros daquela procedência, completa os motivos dêsse deslocamento do tráfico do norte para o sul.
Tão fácil era a comunicação entre Angola e a Bahia que havia quem assistisse em ambas ao mesmo tempo, como Francisco da Silva, de quem, da Bahia, informava, em 1618, Bernardo de Aguirre ao Santo Ofício, “que trata nesta cidade e em Angola“. Para a Bahia seriam 40 dias de viagem, conforme a estimativa da lei de 28 de Março de 1684. “O tráfico incessante com Angola e outros portos da Guiné trazia a maior abundância de negros, quer para a lavoura, quer para o serviço doméstico“.
O Brasil cada vez reclamava mais negros. O desenvolvimento da indústria açucareira, que seria a “mercadoria de lei“, como a chamou Vieira, exigia que lhe mandassem mais braços da África, pois os índios escasseavam dia a dia. A monocultura da cana era insaciável. Era o Moloch, que devorava os negros incessantemente, e que só com êles se satisfazia. Tudo, nos engenhos, era o negro. Recenseando as almas de sua freguesia de Santo Amaro da Purificação, diria o Vigário José Nogueira da Silva: “a maior parte das almas são negros escravos que trabalham nos Engenhos, e lavouras de canas, porque há Engenhos que têm mais de cem escravos, e lavradores de canas de 30, havendo em suas casas poucas pessoas brancas, e quando muito mulher e filhos, se são casados, porque com poucos escravos não faz conveniência lavrar canas e com menos de quarenta não pode Engenho algum fabricar açúcar, moendo redondamente“.
O abastecimento em Angola era cousa natural. Além das causas que enumeramos havia ainda outra: era um mercado novo, abundante, fácil. para ele convergiu o comércio baiano, que, em troca de aguardente, fazendas, missangas, facas, pólvora, ia buscar negros. Como observou Pedro Calmon, durante o século II a preponderância de Angola, entre Ambriz e o Zaire, no fornecimento de negros, não foi disputada pelas outras feitorias da África. Dizia o Rei, apiedado do martírio dos escravos na travessia hedionda: “- na condução de negros cativos de Angola para o Estado do Brasil obram os carregadores e Mestres de Navio violência de os trazerem tão apertados, e unidos huns com os outros, que não sòmente lhes falta o desafôgo necessario para a vida, cuja conservação é comum e natural para todos...”
Nota: “O Negro na Bahia”, Editora José Olympio, 1946. Texto reproduzido do livro que integra acervo da Academia de Letras da Bahia.