A assinatura do contrato de financiamento para a construção do emissário submarino da Boca do Rio entre a Caixa Econômica Federal, o governo do Estado e a construtora Odebrecht, ocorrido na última terça-feira, reabriu a polêmica em torno da obra, orçada em R$ 619 milhões. Ambientalistas e especialistas da área questionam o custo e a necessidade da construção do emissário, que lança o esgoto no mar, a 3,6 km da praia.
O professor titular em saneamento da Escola Politécnica da UFBA, Luiz Roberto Moraes, avalia que o governo de Jaques Wagner (PT) não levou em conta se a obra era necessária ou não para a cidade e que se limitou a renegociar os valores definidos pelo gestão anterior de Paulo Souto (DEM). O Comitê da Praia dos Artistas também apresenta ressalvas ao projeto.
No dia 27 de dezembro de 2006, quatro dias antes do final do seu governo, Paulo Souto assinou o contrato para o que viria a ser a primeira Parceria Público Privada (PPP) em saneamento do país, a cargo do consórcio Jaguaribe, liderado pela Odebrecht. O valor licitado para construção e operação por 15 anos do sistema foi de R$ 738 milhões, sendo que 30% do investimento fica a cargo da Odebrecht. Uma cláusula, no entanto, prevê que se o contrato for revogado pelo governo ele terá que pagar 5% sob o valor contratado.
Um ano depois, em dezembro de 2007, o governo Wagner renegociou o contrato com a Odebrecht e reduziu o valor em 16%, passando de R$ 738 milhões para R$ 619 milhões, sob argumento de que conseguiram reduzir as taxas de financiamento e que o Estado passou a ser responsável pelo custeio do fornecimento de água e energia para a operação. Do valor total contratado, R$ 205 milhões são destinados à construção das obras e o restante pago em prestações mensais durante 15 anos. As obras começaram em maio e 30% do total já foi executado.
Custo – “O valor ainda é elevado para a construção e operação. Isso mostra que o grande interesse para a construção desse emissário é construir mais um grande equipamento por uma grande construtora, sem estudar se esta seria a melhor solução”, acusa o professor Moraes.
Na época da assinatura do contrato por Paulo Souto, o PT era oposição e denunciava, na Assembléia Legislativa, superfaturamento da obra. Souto, no entanto, disse na quinta-feira que não tem como a obra ser superfaturada, pois nenhum dos dois governos pagou qualquer valor à Odebrecht. O secretário de Desenvolvimento Urbano, Afonso Florence – da pasta responsável pela Embasa, empresa pública contratante – foi procurado pela reportagem, mas sua assessoria de imprensa disse que ele ia viajar e não podia comentar o assunto.
O presidente da Embasa, Abelardo de Oliveira Filho, também não foi encontrado. A assessoria disse que também estava viajando. Ele era contrário à assinatura do contrato na época de Paulo Souto, quando fazia parte da oposição. O chefe de gabinete da presidência da Embasa, Luiz Teles, argumentou que a mudança de opinião de Oliveira Filho se deu pelo fato de o governo ter ampliado o número de beneficiados com saneamento, o que teria antecipado a necessidade da operação do emissário.
“Temos ainda R$ 25 milhões para adensar o número de ligações (de captação de esgoto), o que nos dá uma previsão de cobertura de 96% da população de Salvador até 2012”, justifica Teles. Ele lembra que foi uma oportunidade de aproveitar recursos disponíveis do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do saneamento.
Necessidade – “O governo Wagner entrou em negociação para reduzir os valores sem questionar a necessidade da obra”, critica Moraes, que é pós-doutor em saneamento. Ele considera que o emissário não é a melhor saída para a descarte do esgoto. Acredita que há outras soluções mais contemporâneas, como minimizar a geração de esgoto, fazer seu re-uso e não apenas se preocupar com o tratamento e a disposição final. “Esse modelo está obsoleto. É bem semelhante ao emissário do Rio Vermelho, construído há mais de trinta anos”, compara o professor.
Flora Paranhos, membro do Comitê da Praia dos Artistas, considera a instalação do emissário na Boca do Rio como “racismo ambiental”. “Entendemos que o local foi escolhido em razão de racismo ambiental. Porque só tem pobre e preto na Boca do Rio”, disse Flora. “O emissário era para ser construído na bacia do Jaguaribe. A praia dos Artistas é patrimônio cultural, além de local de desova de tartarugas”.
O engenheiro responsável pela obra, Jorge Ocke, disse que, com o emissário, o esgoto é lançado a 3.648 metros da orla e não retorna à praia . Ele não comentou o reajuste do contrato. “Isso não cabe a mim”, falou. O diretor do consórcio Jaguaribe, Raul Ribeiro, disse, através de sua assessoria, que cabe ao cliente (Embasa) comentar o reajustamento do contrato, e não ao consórcio.