Secretário anunciou o contingenciamento de R$ 512 milhões dos cofres públicos
Ele é temido entre os empresários sonegadores de tributos e já chegou a dizer que deveriam ser "pregados na cruz". Com vasta experiência da área da administração pública, o secretário de Finanças da prefeitura de Salvador, Mauro Ricardo Costa Machado, ex-secretário da Fazenda da prefeitura e do estado de São Paulo, em um mês à frente da pasta da Fazenda em Salvador já mostrou serviço.
Anunciou o contingenciamento de R$ 512 milhões dos cofres públicos, está elaborando projeto-de-lei que revê valores de tributos municipais e deu início a auditoria que promete apurar supostas irregularidades na desapropriação de terrenos durante o governo de do ex-prefeito João Henrique (PP).
Na entrevista que concedeu com exclusividade para o jornal A TARDE, diz que irá atrás de sonegadores e empresários que pagam ISS em outros municípios mas atuam em Salvador e que elevará o IPTU de imóveis mais caros.
O senhor foi sondado por alguns prefeitos eleitos de capitais brasileiras para integrar seus quadros de primeiro escalão, como foi o caso de Artur Virgílio, de Manaus. Por que escolheu Salvador?
De todos os convites, achei esse o mais desafiador, pelo projeto político e pelo desafio profissional em razão da situação em que se encontrava a cidade. Eu gosto de desafios. O panorama quando aconteceu o convite era o de que iríamos encontrar uma prefeitura numa situação financeira e administrativa muito ruim, sem disponibilidade financeira. Desordem administrativa grande em muitas áreas como lixo, mobilidade urbana, infraestrutura. O desafio era enorme. Quanto maior o desafio, maior o meu interesse.
O senhor foi secretário da prefeitura de São Paulo, cidade que tem uma arrecadação grande. Aqui é diferente. Salvador não tem mesmo alto potencial de arrecadação, como outras administrações alegavam, ou é falta de rigor?
Acho que é questão de administração no que se refere à receita tributária. Mas existem várias oportunidades de se alavancar recursos, como com parcerias público-privadas, fundo perdido. Falo de alavancar recursos com o governo do estado, com governo federal. Existe uma série de oportunidades que iremos explorar nesses governos, de receitas não-tributárias. No que se refere às receitas tributárias, existe, de fato, evasão de recursos grande. Precisa melhorar a eficiência na questão tributária, no sentido de corrigir a legislação, fechando acordos que inibam as práticas de evasão. Por parte da Procuradoria e da Secretaria da Fazenda, várias medidas estão sendo adotadas para cobrança de impostos, seja na área administrativa, seja na tributária.
O senhor tem fama de ser jogo duro com empresários, será aqui também?
É bom frisar que não é jogo duro com os empresários. É jogo duro com quem sonega ou não paga e não cumpre corretamente suas obrigações tributárias. Quem sonega, não sonega da Secretaria da Fazenda, do prefeito. São menos recursos para a educação, segurança, saúde. São menos recursos para a população do município de Salvador. Por isso seremos muito duros, porque nós aqui somos guardiões dos recursos da população. Não são recursos do Mauro e do Neto (ACM), são recursos da população. É importante que se possa arrecadar os recursos devidos à população e bem aplicar esses recursos. E não permitir que as pessoas deixem de pagar à população aquilo que de fato é devido.
A secretaria já identificou quem são os grandes devedores em Salvador?
Estamos apurando. Temos muitas formas de evasão de recursos aqui. Não posso detalhar nesse momento. Estamos fazendo levantamento de toda a situação para posteriormente agir. Minha recomendação é que os devedores paguem espontaneamente. É melhor do que serem autuados. As pessoas tem que pagar espontaneamente o que devem. Se não for dessa forma, irão pagar com multas e terão que pagar de uma maneira mais coercitiva.
Dá para ter uma ideia desse valor devido?
Basta você olhar os números do município para entender. Você olha, por exemplo, a estimativa de arrecadação do Imposto Intervivos (ITIV) de R$ 12 milhões. É muito pouco se a gente olhar o mercado imobiliário de Salvador. Você olha a arrecadação de IPTU, de R$ 270 milhões. Muito semelhante com a situação do Imposto Intervivos. Você observa que há uma distorção significativa entre a arrecadação de intervivos em relação à arrecadação de IPTU. O IPTU é normalmente cinco vezes mais que a arrecadação do intervivos. Se a base de intervivos já está baixa, imagine a margem de arrecadação do IPTU. Estamos aí com uma distorção significativa na arrecadação que passa por omissões de lançamento de tributos, passa por uma baixa base de cálculo e uma alta taxa de inadimplência de tributos, no que se refere a IPTU e ISS.
De que forma está sendo tratado o uso indiscriminado das transcons ("moeda" imobiliária que concede o direito de construir) em Salvador? Está sendo focado num dos decretos?
Tem gente ganhando dinheiro de forma significativa e a prefeitura deixando de ter uma receita importante. Se instituiu um grupo de trabalho que tem 90 dias para analisar todos esses trancons e fazer uma proposta de resolver esse problema. Primeiro fazer um inventário para saber quem são os donos desses transcons. E daqui pra frente a gente possa instituir as Operações Urbanas Consorciadas, que tenham foco em projetos de infraestrutura de uma determinada região da cidade. E que você possa vender o CPAC (Certificado de Potencial Adicional de Construção), que é um título, um potencial de construir... Se registra esse título, tem a autorização da CVM (Comissão de Valores Mobiliários) para sua alienação, que é feita por intermédio do leilão público. Tudo registrado, valor mínimo e tal, não é como transcon. A receita auferida desse CPAC só pode ser aplicada naquela região vinculada ao projeto de estrutura específica para que não seja desviada para outra região. O recurso não pode ser aplicado em outra região ou outro benefício.
O senhor pode explicar melhor?
Um exemplo: supondo que tenha Operação Urbana na orla, na região da Barra. Você vai vender um direito de construção naqueles gabaritos ali. Quem comprar sabe que está comprando um direito de construção e toda receita auferida será usada exatamente naquela região. Um projeto definido previamente, antes de comprar. Você tem que aprovar na CVM o projeto de engenharia que vai fazer e, a partir daí, aprova o projeto e a emissão dos títulos correspondentes. Então é bem amarradinho, de tal forma que não permita o desvio de recursos para outras áreas e evita o que aconteceu no passado, do privado se apropriar do dinheiro público. E hoje quem está ganhando dinheiro aqui é o privado, em detrimento do poder público, que é a população. A utilização desta receita das operações urbanas consorciadas é algo que pode gerar receita importante para a cidade. Será um projeto-de-lei que precisa ser aprovado, todos podem acompanhar significativamente todo o processo. A CVM acompanha.
E em relação às empresas que tem sede em municípios da Região Metropolitana mas que prestam serviços sobretudo em Salvador? Será passado um pente fino nessa área?
Com certeza haverá medidas. Já estão previstas ações específicas em relação a esse tipo de procedimento. Combateremos a guerra fiscal com todas as armas que temos e outras que serão instituídas em projetos-de-lei. Mas adianto que teremos medidas que protegerão Salvador da guerra fiscal com municípios vizinhos. Sou especialista em combate à guerra fiscal (risos). O ISS tem que ser pago aqui. O empresário tem que pensar que se usufrui dos serviços de Salvador é justo que pague aqui. Essa medida será tomada neste ano ainda. Na verdade eu acho que tem que pagar já (risos).
O senhor é o terror dos sonegadores. Já chegou até a dizer que sonegador tinha de ser pregado na cruz, que uma pena de quase 90 anos era pouco para uma empresária sonegadora...
Não falei isso (risos). Questionaram sobre uma empresária que tinha sido condenada a mais de 80 anos de prisão (a dona da Daslu, em São Paulo). Eu disse que era pouco 80 anos porque ela era reincidente. Ela foi penalizada por crime de sonegação e cometeu novamente o crime. Eu disse que, pela reincidência, era pouco...(risos). Mas acho que falei também do sonegador que deveria ser ... pregado na cruz.
E o caso do IPTU? O prefeito disse que quanto mais luxuoso o imóvel, mais pagará. Pode explicar melhor?
É a questão da progressividade. Hoje tem uma progressividade que cria uma confusão. A progressividade hoje é em função do estabelecimento de alto, médio padrão. É em função do padrão do imóvel. Isso gera uma discussão do que é alto e médio padrão. Vamos propor alteração nisso de tal forma que mantenha progressividade, mas por faixa de valor do imóvel e que acabe com padrão. Não interessa se é de alto ou baixo padrão, se o valor do imóvel é R$ 1 milhão, paga a partir disso. Isso evita também atravancar o Judiciário com várias ações. Quanto mais confusa a legislação, mais discussão judicial você tem.
O senhor é um técnico, mas habita um universo político...
Sou tecnolítico (risos)
Então, como tecnolítico, o senhor precisa ter carta branca, autonomia, para fazer tudo isso a que está propondo. Como tem sinalizado o prefeito?
Total autonomia. Aliás, sempre tive autonomia nos lugares em que passei. Só consegui fazer o que fiz por isso. Logicamente, todas as ações são combinadas com o prefeito. As propostas são levadas ao prefeito ou ao governador (em São Paulo)). Depois de tomada a decisão, sempre enfrentamos todos os desafios.
Na verdade o prefeito é que acaba sendo o responsável pelas consequências das ações...
Sim, ele sofrerá todas as pressões. Ele terá de aguentar o tranco! Mas também terá todos os louros dos bons resultados obtidos. Num primeiro momento, tem medidas duras, depois tem de colher os resultados que são importantes a longo prazo. Curto prazo é corrigir a casa, tem que dar prioridade agora a isso, fazer um bom planejamento estratégico, plano de ação, que possa, por intermédio do planejamento, separar as importâncias das emergências. No planejamento se começa a separar isso, as importâncias das emergências. Senão, em 4 anos você olha para trás o que foi feito? Então é esse planejamento que estamos fazendo. Senão você só fica apagando fogo.
E a cidade está uma labareda só...
É porque tem aquele ditado que diz: quem não tem caminho vai para qualquer lugar (risos). Foi assim aqui.
O contingenciamento foi de R$ 512 milhões, que é muito dinheiro. O orçamento previsto e aprovado estava maquiado?
O contingenciamento foi de R$ 512 milhões no total. Desses, 160 milhões de recursos do tesouro e o restante das outras fontes. Então, R$ 160 milhões são 25% das dotações do tesouro. Excluímos pessoal, dívida, saúde, educação, Câmara. Tirando isso tudo, tivemos que fazer essa contenção para poder preservar essas áreas. Mas o fato é que as despesas estavam financiadas com receitas ainda incertas. Tinha receitas que estavam superestimadas. Receitas de ISS, transmissão intervivos, Fundeb, SUS, algumas receitas superestimadas. Tivemos que adequá-las à realidade, reduzi-las e contingenciar as receitas que estavam financiadas com esses recursos. Outras receitas de transferências, do estado e convênios, por precaução, contingenciamos 100% para aguardar que a despesa, de fato, se concretize.
Por que o orçamento foi feito assim?
Era para fechar a despesa. Infelizmente, a administração pública às vezes é assim. A despesa não fecha com a receita? A despesa é 60 e a receita 40? Então bota mais 20 aí. Infelizmente, muitos gestores tratam a administração pública dessa forma. Aqui por exemplo, é por isso que Salvador está com as contas rejeitadas pelo TCM e provavelmente irá para o quarto ano de rejeição. Estamos recebendo a prefeitura com dívidas significativas, sem disponibilidade financeira para honrar.
Muitas dívidas?
Você vai abrindo o armário vão caindo as dívidas (risos). Melhor não abrir muito o armário, vou deixar lacrado por quatro anos (risos)... Vai abrindo e vai caindo a dívida. A gente estima que pode chegar a R$ 400 milhões de dívidas. Mas tem outras coisas que estamos também descobrindo como a transcon, como problemas relativos aos créditos imobiliários que motivaram o decreto baixado nesta semana (passada). No passado se faziam desapropriações e davam para as pessoas, em vez de pagar em dinheiro, escrituras que pudessem compensar com pagamento de tributos. Descobrimos um rombo enorme em relação a isso. E a prefeitura reconheceu que devia isso em escritura pública. Agora esses credores querem compensar isso em pagamento de tributos. Esse é o outro problema que temos para equacionar. São aproximadamente uns R$ 300 milhões. Em vez de pagar em dinheiro, foi pago em crédito. E em muitos deles há suspeita de fraudes que a gente vai apurar.
O senhor criou um grupo de trabalho para apurar supostas irregularidades na desapropriação de terrenos em troca de créditos imobiliários. Há suspeita de enorme prejuízo para a prefeitura e beneficiamento de donos de terrenos. O que já foi apurado?
O grupo fará auditoria técnica e jurídica nos processos de créditos vindos das desapropriações amigáveis. Se identificada a irregularidade, proporá desconstituição do crédito e encaminhará o caso ao Ministério Público para as apurações subsequentes. Quem responde é quem assinou as escrituras (no caso, o ex-prefeito João Henrique). Houve desapropriações em uma APA (na região da dunas de Itapuã e Flamengo). Logicamente que um terreno dentro de uma APA tem seu valor de mercado menor em face das restrições a sua utilização. Aparentemente o parâmetro que foi utilizado para estabelecer o valor do metro quadrado foi inadequado. Verificamos que o parâmetro usado foi o de uma área vizinha, mais valorizada, onde podem ser construídas construções (sic) de alto padrão.
O senhor se surpreendeu com o que encontrou?
Os gestores públicos sempre têm a capacidade de surpreender. Estou sendo surpreendido, sim. Se comprovado, será novidade pra mim. Novidade ruim, um procedimento dessa natureza. Estamos aqui para corrigir eventuais irregularidades que ocorreram no passado e não deixar que ocorram novamente na prefeitura, doa a quem doer.
Após o primeiro de mês de trabalho, vai passar o Carnaval aqui?
Claro. Nunca passei, mas vou passar aqui o Carnaval. Já fiz minha caminhada para o Bonfim, andei.... Já vou fazer minha oferenda à Iemanjá no dia 2 (ontem)...
Se proteger contra a energia dos sonegadores?
(risos) Eles é que têm que pedir proteção!