Fábio Nogueira (PSOL) é candidato à prefeitura de Salvador
Candidato a prefeito de Salvador, o sociólogo e professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) Fábio Nogueira (PSOL) afirma que entra na disputa eleitoral como uma alternativa. Critica a gestão do prefeito ACM Neto (DEM), que classifica como excludente e antidemocrática, e também o governo da presidente Dilma Rousseff (PT), apesar de se posicionar contra o impeachment. Nesta entrevista, relaciona o aumento de patrimônio de Neto com as denúncias de irregularidades feitas pela vice-prefeita Célia Sacramento e carrega como principal bandeira a participação popular. Ele diz que a política em Salvador parece que "anda para trás", com as "velhas fórmulas se reproduzindo e o carlismo se reinventando".
Quais são as principais bandeiras que o PSOL está defendendo nas eleições?
Há uma necessidade de renovação da política no Brasil, em Salvador, porque os agentes políticos tradicionais falharam na condução de transformações que modificassem as condições de vida das pessoas. Salvador não é uma cidade democrática. Temos como prioridade dois aspectos. O primeiro é reforçar o processo de participação direta da população, seja a partir de eleição direta para subprefeito, plebiscito, referendos, consultas à população, congressos participativos. O outro viés é atacar a desigualdade social, invertendo prioridades. A prefeitura deve investir em saúde, educação, cultura, transporte público de qualidade como prioridade. O prefeito tem que ser das pessoas. Temos o exemplo da Estação da Lapa, onde os ambulantes foram expulsos pela Nova Lapa (que administra o terminal), um processo sociológico que chamamos de gentrificação, os ambulantes são tratados como marginais.
Por que você fala que Salvador não é uma cidade democrática?
O prefeito governa de forma velha, ultrapassada, governa consultando uma maioria construída com os mesmos métodos da política tradicional, de troca de favores, com loteamento de cargos na prefeitura. Salvador é uma cidade maquiada, de grandes obras, porém que não ataca o problema da desigualdade social, algo que o poder público municipal precisa assumir para si. Também temos crítica à candidatura de Alice Portugal (PCdoB), porque justamente não faz uma autocrítica do que foi o processo da experiência do PT no poder. Na construção das alianças estão os mesmos personagens, alguns partidos comprometidos com a agenda golpista, o que mostra grande contradição. Nós do PSOL somos um polo independente.
Qual sua avaliação sobre o governo de ACM Neto?
O legado de ACM Neto é uma cidade que aprofunda a desigualdade social, é campeã nacional do desemprego, não tem política de geração de emprego. O que a prefeitura fez para combater o desemprego? Vai colocar a culpa na Dilma, no PT? Os pontos de cultura não foram implementados por ACM Neto. Prefeito não é rei momo, política cultural é muito mais do que fazer festa, é dialogar com agentes culturais, criar pontos de cultura, núcleos de cultura. Salvador aplica 0,6% dos recursos em cultura, quando deveria investir pelo menos 2%. O poder público municipal também precisa assumir para si políticas de combate aos crimes de ódio, à intolerância religiosa, aos gays e mulheres, negros e negras. A prefeitura hoje gasta milhões com a Casa Civil e chefia de gabinete, dois órgãos que fazem a mesma coisa na prática. Por outro lado, o investimento em saúde é o menor entre as capitais do Brasil. Salvador também tem o maior déficit de creches do Brasil.
Como avalia os recém-aprovados PDDU e Louos?
O prefeito ACM Neto aprovou o PDDU sem um plano de encostas, numa cidade como Salvador que sofre, onde 22 pessoas morreram em deslizamentos. Isso mostra que a preocupação não era com o desenvolvimento da cidade. Fez consultas de faz de conta. A referência à questão racial numa cidade em que oito em cada dez habitantes são negros e negras era mínima, coisa de parágrafos. É um retrocesso, e se juntar isso com as denúncias feitas pela vice-prefeita Célia Sacramento (PPL) de irregularidades nas obras, é algo muito grave, e o próprio crescimento até agora inexplicável do prefeito ACM Neto.
O PSOL entrou com uma ação no Ministério Público estadual contra Neto. O que pretendem?
Nós do PSOL estamos muito preocupados com a recente declaração da vice-prefeita. Se a gente cruzar isso com o crescimento do patrimônio do prefeito ACM Neto, que dobrou o em quatro anos num momento em que vivemos uma crise econômica no Brasil... Isso no mínimo deve ser alvo de apuração e investigação. Entramos com uma representação no Ministério Público estadual contra o prefeito.
O PSOL também se posicionou contra o Plano Municipal de Educação (PME) aprovado recentemente na Câmara. Se eleito, pretende rever o plano?
O prefeito tirou o PME de dentro da gaveta, disse que consultou Ufba e Uneb, mas elas divulgaram cartas dizendo que não foram consultadas. Não teve escuta com nenhum setor da sociedade. E o pior: retira o debate sobre gênero, diversidade sexual e combate ao racismo das metas e objetivos. A questão do machismo, homofobia e sexismo é algo que mata pessoas, crimes de ódio levam a mortes. Nossas crianças, os pais precisam debater. Não podemos aceitar uma cultura de ódio se instalando nas nossas casas, no coração das nossas crianças.
O que você faria de diferente da gestão de Neto?
Eu consultaria as pessoas, inverteria prioridades. O que é mais importante, resolver o problema do saneamento e da escola, do posto de saúde ou fazer uma intervenção na orla? Além disso, Salvador virou uma indústria de multas, o IPTU está aumentando ano a ano, vai dobrar em quatro anos. A Transalvador deixou de ser órgão de fiscalização e virou de arrecadação. Para se ter uma ideia, este ano a previsão orçamentária é de mais de R$ 60 milhões de multas. Virou receita da prefeitura.
O PSOL tem se posicionado contra o impeachment da presidente Dilma. Você acredita que esse debate vai estar presente nas eleições em Salvador?
Eu espero que esteja presente. Entendemos a democracia como valor. Os debates sobre o impeachment, o golpe, não contra Dilma, mas contra a democracia brasileira deve que estar presente. O que aconteceu no Brasil é resultado de uma crise no sistema político, que é uma crise de representatividade. As pessoas querem se ver representadas no sistema político.
Você não acha que esse posicionamento pode ser interpretado como o PSOL defendendo o governo do PT, que teve casos de corrupção?
Pelo contrário. Temos críticas a Dilma, ao PT, mas entendemos que o espaço de derrotá-los é nas urnas. Nós nunca defendemos o governo Dilma. Agora, não podemos ter seletividade no debate sobre corrupção. Gostaria de ver Sérgio Moro com a mesma atitude eficiente que tem com o PT com o PSDB. Não podemos ter Aécio Neves citado cinco vezes no escândalo de Furnas, Romero Jucá, em áudio vazado, falando que golpe foi dado para parar a Lava Jato. Não fazemos oportunismo como setores do DEM e do PSDB fazem sobre corrupção. Chegou ao ponto de ver corruptos em manifestações contra a corrupção. O projeto do PT foi um fracasso, mas não quer dizer que não tenha coisas positivas, como as cotas raciais, o Bolsa Família, a questão social, mas isso não foi capaz de fazer transformações sociais. O cidadão comum vai ficando cada vez mais distante da política. As pessoas estão insatisfeitas.
Você acredita que essa insatisfação poderá ser vista nestas eleições?
Nossa expectativa é essa. Há muita indignação, insatisfação com a política. Me preocupa que uma cidade como Salvador, em que oito em cada dez homens e mulheres são negros e negras, terem uma invisibilidade na política, ainda somos considerados uma minoria. A exclusão da nossa presença nas chapas é uma coisa gravíssima. Na eleição anterior, pelo menos os vices eram negros, com histórico ligado à questão racial. É um retrocesso. Nos EUA, onde somos 12% da população, elegemos Barack Obama presidente da república. Em Salvador não conseguimos eleger um prefeito ou prefeita negros. A política em Salvador parece que anda para trás. Velhas fórmulas estão se reproduzindo, o carlismo se reinventando.
Como você avalia a nova legislação eleitoral? Como está fazendo a campanha do ponto de vista dos recursos?
Foi uma contrarreforma política, que diminuiu o peso dos partidos menores. Eu tenho oposição muito grande a Isidório, ACM Neto, Da Luz, do ponto de vista de temas fundamentais, mas acho importante que participem do debate, porque é onde se confronta ideias. Não é o que fez a lei da mordaça. Por outro lado, o aspecto positivo foi a proibição do financiamento privado de campanha, o que nos coloca uma possibilidade de uma campanha baseada mais nas ideias do que na grana. Nossa preocupação é com a prática do caixa-dois. Nós criamos o aplicativo Fábio 50. Além de informações sobre o candidato, tem uma parte de denúncia, em que o cidadão comum que vê uma irregularidade, compra de votos, distribuição de alimentos, e pode gravar e enviar para nós. Chega no nosso setor jurídico e vamos entrar com ações, para coibir qualquer prática irregular. Na campanha, chamo atenção para as redes sociais, com vídeos, informações. Elas vão garantir algum nível de diálogo.
Como avalia a não participação do prefeito em debates institucionais?
O prefeito está fugindo dos debates, o que é preocupante. Ele perde a oportunidade de esclarecer questões à população, como o crescimento do seu patrimônio. As fugas do debate indicam alguém que não quer fazer o debate e entende que a eleição é curta, se furta a participar, e está eleito. A partir do momento em que o debate ficar mais quente, o programa eleitoral, o corpo a corpo, a população vai ficar mais atenta das limitações da atual gestão. ACM Neto subestima o fato de Salvador ter feito mobilizações massivas contra o golpe. O seu envolvimento no golpe vai ser um elemento que vai prejudicar bastante a estratégia eleitoral do prefeito.
Se eleito, o que pretende fazer pela mobilidade urbana?
A primeira coisa que faria é sentar com os empresários para rever a tarifa, muito cara para o serviço, e requalificar a frota, melhorando o serviço. Também vamos avaliar o uso de combustíveis não poluentes. Vamos implantar a gratuidade aos domingos, para que a população possa usufruir a cidade, as praias, o zoológico. Mas vamos garantir o ônibus no ponto. É preciso fazer um debate sobre um transporte público na cidade e entender que o ônibus, o metrô, o táxi, o Uber, as ciclovias são coisas integradas, para discutir de fato mobilidade.
Você defende a regulamentação do Uber?
Defendo por questão de princípio. O Uber cresce um momento de crise econômica, em que tem pouco dinheiro para gastar e muita gente querendo trabalhar. A forma como o Uber entrou no mercado prejudicou os taxistas, uma categoria como outra qualquer, que tem bons e maus profissionais. O Uber precisa ser regulamentado e os taxistas precisam de uma contrapartida.