Teólogo conversou sobre polícia e seu novo livro com reportagem de A TARDE
Após participar do debate sobre água e direitos ambientais na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), nesta segunda-feira, 3, o teólogo, escritor e professor Leonardo Boff falou sobre o novo livro, fez um balanço sobre o governo do presidente Jair Bolsonaro e criticou o que chamou de “estado da bárbarie”, avaliando o momento que o Brasil vive hoje.
O Presidente Jair Bolsonaro (PSL) despreza os movimentos de rua pela educação e entra em rota de colisão com o Legislativo. Há um clima de impeachment no ar?
Ele está usando a política do confronto. Confronto com o parlamento, com a rua, imprensa e com o judiciário. O mais grave de tudo foi o ataque que ele fez à educação, que mostra o nível extremamente curto da sua inteligência. A educação é a alma de um povo. Ele está atacando aquilo de mais precioso que nós temos. Um povo ignorante e doente - já que ele também está cortando recursos da saúde - nunca dará um salto de qualidade rumo ao desenvolvimento, à sua autonomia.
Qual avaliação o senhor faz dos cinco primeiros meses do governo Bolsonaro?
O governo Bolsonaro é uma tragédia. Ele mesmo confessa que não se sente preparado para ser presidente, mas sim para ser militar. Até o momento, ele só trouxe desgraça aos trabalhadores e aos educadores, atacando especialmente aquilo que é a base da sociedade, o conhecimento, a educação.
O que eu sugiro, já que ele não gosta de estar no cargo, já que não se sente preparado, é que renuncie, que faça um suicídio político antes que ele sofra o impeachment, como aconteceu com Fernando Collor de Melo.
A redução na pena do ex-presidente Lula, ocorrida em abril, após eleições de 2018, criou a possibilita de ele ir para o regime semiaberto neste segundo semestre. Isso fortalece a tese de prisão usada para inviabilizar sua candidatura?
Eu creio que está ficando claro para todo mundo que a prisão de Lula é política. O triplex foi vendido pelo dono e o sítio, que fica em Atibaia, está à venda. Lula não é dono do triplex e nem do sítio. Ele foi condenado por algo absolutamente absurdo, que não se encontra em nenhuma legislação, nacional e internacional, que é a condenação por um ato indeterminado.
A prisão é política, os juízes que atuaram no caso foram treinados na Secretaria de Estado dos Estados Unidos da América (EUA) para aplicar o Lawfare, que é o uso da lei de uma forma tão distorcida que você acaba condenando quem é acusado.
Ele foi preso sem razões e a luta do Lula é para provar sua inocência; ele não é ladrão. O que mais ofende o Lula, o que mais lhe dói - e ele me disse isso pessoalmente em uma das visitas que fiz na reclusão em que está - é quando o chamam de ladrão. Eu creio que estamos assistindo a um fato vergonhoso. Os grande juristas do Brasil e do mundo já denunciaram que Lula é um prisioneiro político. Eu acho que o Brasil chegará à sua tranquilidade e ao seu rumo político se soltarem o Lula. Ele é alguém que ama o povo, tem uma liderança conciliadora, que busca melhores condições para o povo brasileiro se desenvolver, ter seus empregos com salário digno. Não é um demagogo panfletário.
Na semana passada, o presidente questionou, durante sua participação em um culto evangélico em Goiás, se já não estaria na hora de o Brasil ter um ministro evangélico. Como o senhor avalia esse questionamento?
O presidente deve respeitar a Constituição, que diz claramente que o estado brasileiro é laico, ou seja, que ele respeita todas as religiões e não privilegia nenhuma. Ele não pode sugerir que o próximo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) deva ser evangélico. Isso é contra constituição. Ele quer agradar a base evangélica, que é uma das suas bases de sustentação e que já se deu conta das maldades que ele está fazendo contra seus próprios fiéis, jogando eles ao desemprego, sem saúde e educação. Eu acho que ele vai perder o apoio dessa base, que é a principal de seu governo. Está aí um motivo a mais para ele, se tiver o mínimo de generosidade e de amor ao povo, renunciar.
O senhor diz que a bancada evangélica é uma dos pilares do governo Bolsonaro, como o senhor avalia o papel dela na eleição do presidente?
Eu acho que nós, cristãos, teólogos, pessoas de igreja, temos a missão de libertar o povo desses verdadeiros lobos travestidos de pastores, que estão nas igrejas evangélicas neo pentecostais, explorando a ignorância do povo. Eles ganham milhões, fazem fortunas às custas da miséria do povo. Uma das nossas tarefas é esclarecer o povo, falar as coisas verdadeiras do evangelho, de Jesus, da justiça social. Nas últimas eleições, eles manipularam esse povo com milhões de fake news. O rito eleitoral foi democrático, mas a forma, o conteúdo, foi montado na calúnia, nas mentiras, não foi nada democrático.
O Brasil vive um momento onde o conceito de Direitos Humanos ganhou uma conotação pejorativa. Qual análise que o senhor faz disso?
Nós estamos vivendo em uma estado pós-democrático. Um estado sem lei, que atropela a Constituição e as leis. Nada vale. O estado do arbítrio, que conduz à barbárie, onde cada um faz justiça com as próprias mãos, utilizando violência e repressão. Os direitos humanos estabelecem que cada pessoa tem algo de sagrado, intocável, que tem a ver com Deus, com a consciência, com a presença misteriosa, divina, que cada um carrega e que é a base da dignidade humana. Essa dignidade está sendo violada para as minorias LGBTs, indígenas, mulheres. Esses grupos estão sofrendo violência física e simbólica por não serem reconhecidos como humanos. Isso mostra que nós estamos em um estado de barbárie e que nós temos que recuperar o estado mínimo.
Nenhuma sociedade existe sem lei, sem um contrato social que é representado no Brasil pela Constituição, onde todo mundo concorda em respeitar certas normas para viver minimamente em paz e ganhar seu sustento com um trabalho digno. Nós estamos destruindo as bases do convívio social, criando uma sociedade onde os mais fortes têm privilégios e os mais fracos são penalizados. Nós temos que nos organizar para nos defender e fazer valer as leis e a Constituição.
Em seu novo livro, “ Brasil - concluir a refundação ou prolongar a dependência”, o senhor fala que existe esses dois modelos para o Brasil. Qual deles o governo Bolsonaro representa?
Infelizmente, Bolsonaro quer prolongar a dependência do Brasil aos Estados Unidos da América (EUA). Na minha obra, eu falo sobre a importância de refundarmos o Brasil sobre outras bases, que não a da dependência ao capital estrangeiro. Apresento uma nova cultura brasileira, biocentrada, baseada na riqueza da natureza, na abundância das águas e da flora; em nossa diversidade cultural, na harmonia entre os seres humanos com seus semelhantes e com a biodiversidade. Lembro que o povo brasileiro é criativo, inteligente e hospitaleiro, ao contrário do que, infelizmente, temos visto ultimamente, que é um povo perverso e fundamentalista.